Movimento Armorial de Ariano Suassuna: As Fontes da Arte Erudita Popular
Desvende o Movimento Armorial de Ariano Suassuna! Explore suas fontes na cultura popular nordestina, a busca por uma arte erudita brasileira e o legado dessa estética única de PE.
Pernambuco tem uma alma que canta, que dança, que conta histórias de um jeito que é só nosso. A gente se orgulha do nosso frevo, do nosso maracatu, da literatura de cordel que ecoa pelas feiras…
Mas você já parou pra pensar se existiu um momento em que alguém tentou pegar toda essa riqueza da nossa cultura popular, essa sabedoria que vem do povo, e transformá-la em algo grandioso, em arte erudita, mas sem perder a raiz, a autenticidade? Pois é, esse sonho não só existiu como se tornou um dos movimentos artísticos mais importantes e originais do Brasil: o Movimento Armorial, idealizado pelo mestre Ariano Suassuna.
O que era exatamente esse movimento? De onde Ariano tirou a inspiração para criar algo tão único, que misturava o popular com o erudito, o sagrado com o profano, a música com a literatura, a dança com as artes plásticas?
Quais foram as fontes que alimentaram essa fogueira criativa que iluminou a cultura pernambucana e brasileira a partir da década de 1970? Hoje, nosso Guia Pernambuco Secreto vai te levar para uma viagem pelas veredas do Sertão e pelas tradições ibéricas para entender a gênese e a beleza do Movimento Armorial. Prepare-se para descobrir um universo onde a cultura popular é a rainha e a arte brasileira encontra sua voz mais autêntica.

O Que Foi o Movimento Armorial de Ariano Suassuna?
Antes de buscar as fontes, vamos entender rapidinho o que Ariano Suassuna (1927-2014) – esse gênio paraibano de alma profundamente pernambucana, escritor, dramaturgo, poeta, professor – queria com o Movimento Armorial.
- O Sonho: Ariano sonhava em criar uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares do Nordeste. Ele queria que nossa cultura popular (o romanceiro, a música de viola e rabeca, os folguedos como o maracatu e o bumba meu boi, a xilogravura dos cordéis) fosse a matéria-prima para uma arte que tivesse a mesma dignidade e reconhecimento da arte erudita europeia, mas que fosse inegavelmente nossa, com a nossa cara, o nosso sotaque.
- O Lançamento: O movimento foi lançado oficialmente em 18 de outubro de 1970, no Recife, com um concerto e uma exposição de artes plásticas, na Igreja de São Pedro dos Clérigos.
- As Características: A arte armorial buscava ser:
- Brasileira e Nordestina: Valorizando temas, personagens, ritmos e estéticas da nossa região.
- Popular e Erudita: Unindo a espontaneidade e a força da cultura popular com o rigor e a elaboração da arte erudita.
- Mágica e Realista: Muitas obras armoriais têm um quê de fábula, de encantamento, mas sem perder o pé na realidade sertaneja e nas suas questões sociais.
- Ligada ao Romanceiro Popular Nordestino: Histórias de cavalaria, de luta do bem contra o mal, de heróis populares, de figuras bíblicas adaptadas ao universo sertanejo.
- Visualmente Impactante: Nas artes plásticas, o uso de cores vibrantes, traços que lembram a xilogravura, e uma certa “heráldica sertaneja” (daí o nome “armorial”, que remete a brasões, estandartes, armas da nobreza medieval, mas aqui reinterpretados com a estética popular).
O Movimento Armorial não era só um estilo; era uma filosofia, uma forma de ver e fazer arte que afirmava a identidade brasileira.
As Fontes de Inspiração: Onde Ariano “Bebeu” Sua Arte
Mas de onde vinha tanta ideia? Ariano Suassuna era um estudioso profundo da cultura popular e buscou inspiração em diversas fontes riquíssimas, principalmente do Nordeste e da herança ibérica (Portugal e Espanha).
1. O Romanceiro Popular do Nordeste (A Alma da Coisa!)
Essa é, talvez, a fonte principal e mais evidente do Movimento Armorial.
- O Que é: É o conjunto imenso de histórias cantadas, poemas narrativos, folhetos de cordel que circulam pelo Nordeste há séculos. São histórias de cavalaria medieval adaptadas ao Sertão, de lutas entre cristãos e mouros, de amores proibidos, de valentia, de fé, de pelejas de cantadores…
- Influência no Armorial:
- Temas e Personagens: Muitas obras armoriais, como o famoso “Auto da Compadecida” do próprio Ariano, bebem diretamente nesses temas. João Grilo e Chicó são heróis populares típicos do romanceiro.
- Estrutura Narrativa: A forma de contar histórias, com reviravoltas, humor, elementos mágicos e um tom épico, é muito presente.
- Linguagem: A linguagem poética e ritmada dos cantadores e dos folhetos de cordel também influenciou a escrita armorial.
- Onde Encontrar Essa Fonte Viva: Nas feiras do interior, nos versos dos repentistas, nos folhetos de cordel que ainda resistem bravamente. O cordel nordestino é a base literária do Armorial.
2. A Música de Raiz Nordestina (O Som que Embala o Movimento)
A música foi um dos pilares do Armorial, com a criação de grupos como o Quinteto Armorial.
- Instrumentos Populares: A inspiração vinha da música tocada com instrumentos tradicionais do povo, como a rabeca (um tipo de violino rústico), a viola sertaneja (de 10 cordas), o pífano (flauta de bambu), além de instrumentos de percussão como a zabumba e o triângulo (típicos do forró).
- Gêneros Musicais: Ritmos como o baião, o xaxado, o martelo agalopado (dos cantadores), as toadas de vaqueiro, os benditos e incelenças (cantos religiosos populares) serviram de base para as composições armoriais.
- A Proposta: A ideia era criar uma música de câmara (erudita) que tivesse a sonoridade e a alma dessa música popular, utilizando esses instrumentos e ritmos de forma elaborada. O Quinteto Armorial foi o grande expoente dessa busca, com compositores como Antônio Madureira e Capiba (que também flertou com o movimento). A música armorial é única.
3. Os Folguedos Populares (A Festa que Vira Arte)
As festas e manifestações populares de Pernambuco e do Nordeste também foram fontes ricas.
- Maracatu Rural (Baque Solto): A força dos Caboclos de Lança, suas indumentárias espetaculares, o baque vibrante da orquestra… tudo isso ecoa na estética armorial, especialmente nas artes plásticas e na energia de algumas músicas.
- Bumba Meu Boi: Com seus personagens fantásticos (o boi, o Mateus, a Catirina), sua teatralidade e sua mistura de sagrado e profano.
- Cavalhada: Uma encenação popular de origem medieval que representa lutas entre cavaleiros cristãos e mouros, muito presente no romanceiro e, por consequência, no imaginário armorial.
- Pastoril: Auto popular de Natal, com suas jornadas, anjos e diabos, também influenciou a dramaturgia.
Esses folguedos de Pernambuco trouxeram para o Armorial o colorido, a teatralidade e a riqueza simbólica da cultura popular.
4. A Xilogravura Popular (A Imagem do Sertão)
A estética visual do Movimento Armorial, especialmente nas artes plásticas, tem uma dívida enorme com a xilogravura popular, aquela que ilustra as capas dos folhetos de cordel.
- O Traço Forte e Expressivo: As xilogravuras têm um traço rústico, forte, sem muitos detalhes, mas com uma expressividade imensa.
- Temática: Retratam cenas do romanceiro, figuras religiosas, animais da caatinga, o cotidiano sertanejo.
- Influência no Armorial: Artistas plásticos ligados ao movimento, como Gilvan Samico (um dos maiores gravuristas do Brasil) e Miguel dos Santos, buscaram essa mesma força expressiva, essa simplificação das formas e essa ligação com o imaginário popular em suas obras. A arte armorial visual é inconfundível.
5. A Herança Ibérica Medieval e Barroca (As Raízes Profundas)
Ariano Suassuna era um profundo conhecedor da cultura clássica e medieval de Portugal e Espanha, e via nessas tradições a origem de muita coisa da nossa cultura popular nordestina.
- O Romanceiro Ibérico: Muitas das histórias e poemas do nosso romanceiro popular são adaptações de temas que vieram da Península Ibérica na época da colonização.
- A “Heráldica Sertaneja”: A ideia de “armorial” remete aos brasões e estandartes da nobreza medieval. Ariano via uma espécie de “nobreza popular” nos heróis do Sertão e em suas manifestações culturais, como se eles tivessem seus próprios brasões e insígnias, não feitos de ouro e prata, mas de couro, de chita, de lantejoula.
- O Barroco: A dramaticidade, o contraste entre luz e sombra, o sagrado e o profano, características do Barroco (que foi tão forte em Pernambuco), também estão presentes na estética armorial.
Essa conexão com a cultura ibérica dava uma profundidade histórica e uma universalidade à arte armorial.
Onde Encontrar o Legado Armorial Hoje?
O Movimento Armorial, como movimento organizado com artistas atuando sob essa bandeira, teve seu auge nos anos 1970. Mas seu legado é imenso e continua vivo:
- Nas Obras dos Artistas: A obra de Ariano Suassuna (seus livros, peças de teatro) é o maior exemplo. Mas também as músicas do Quinteto Armorial, as gravuras de Samico, as tapeçarias de Zélia Suassuna (esposa de Ariano), as esculturas de Miguel dos Santos… são tesouros a serem descobertos.
- No Paço do Frevo (Recife): Embora dedicado ao frevo, o Paço do Frevo no Recife Antigo muitas vezes tem exposições ou referências que tocam no universo armorial, dada a proximidade e a importância de Ariano para a cultura pernambucana.
- Em Museus e Galerias: Obras de artistas armoriais podem ser encontradas em acervos de museus como o Museu do Estado de Pernambuco (MEPE) ou em galerias de arte.
- Na Música Contemporânea: Muitos músicos pernambucanos e nordestinos de hoje ainda bebem na fonte armorial, misturando instrumentos populares com arranjos mais elaborados, ou buscando inspiração nos ritmos e temas da cultura popular.
- No Espírito Pernambucano: Mais do que em lugares físicos, o espírito armorial – essa valorização da nossa cultura popular, essa busca por uma identidade artística autêntica, essa mistura do popular com o erudito – continua vivo e influenciando a produção cultural de Pernambuco.
Armorial, a Arte que Brota do Chão de Pernambuco
Que viagem fascinante fizemos pelas fontes do Movimento Armorial de Ariano Suassuna! Deu para sentir como essa ideia genial de Ariano não nasceu do nada, mas sim de um mergulho profundo e apaixonado nas raízes mais autênticas da nossa cultura nordestina.
Vimos como o Romanceiro Popular e a literatura de cordel deram o tom épico e os personagens marcantes. Sentimos a vibração da música de raiz, com suas rabecas e pífanos, que inspiraram o som único do Quinteto Armorial. Nos encantamos com a força dos folguedos populares, como o Maracatu Rural, que emprestaram sua energia e seu colorido. E admiramos a beleza rústica da xilogravura, que moldou a estética visual do movimento. Tudo isso, conectado com as nossas profundas raízes na cultura ibérica medieval e barroca.
O Movimento Armorial foi um grito de afirmação da identidade cultural brasileira, um chamado para que olhássemos para dentro, para a riqueza do nosso povo, e criássemos a partir daí uma arte que fosse, ao mesmo tempo, popular na sua essência e erudita na sua elaboração. O legado de Ariano Suassuna e dos artistas armoriais é um tesouro que continua a nos inspirar e a nos lembrar da força e da beleza que brotam do chão de Pernambuco. Que a gente continue a beber nessas fontes e a celebrar essa arte que é tão profundamente nossa.
Principais Fontes e Elementos Abordados:
- Definição do Movimento Armorial: Criação de uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares nordestinas, idealizado por Ariano Suassuna em 1970.
- Romanceiro Popular do Nordeste: Principal fonte literária e temática (cordel, histórias de cavalaria, heróis populares).
- Música de Raiz Nordestina: Uso de instrumentos como rabeca, viola, pífano; inspiração em ritmos como baião, xaxado, toadas. Destaque para o Quinteto Armorial.
- Folguedos Populares: Influência do Maracatu Rural, Bumba Meu Boi, Cavalhada, Pastoril na teatralidade e energia.
- Xilogravura Popular: Principal referência estética para as artes plásticas armoriais (traço forte, temas populares).
- Herança Ibérica Medieval e Barroca: Conexão com as origens do romanceiro, a ideia de “heráldica sertaneja” e a dramaticidade barroca.
- Legado: Obras de Ariano Suassuna, Quinteto Armorial, artistas plásticos (Samico); influência na música e cultura contemporânea de PE.
- Mensagem: Armorial como afirmação da identidade cultural brasileira e valorização da cultura popular nordestina.
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